terça-feira, 13 de junho de 2023

Bichinho de pelúcia

Tem um vídeo no Instagram que mostra um pequeno cão carregando na boca um bicho de pelúcia maior que ele e se aproximando timidamente como quem pede para brincar, mas sabe que pode ser rejeitado. A legenda diz tudo: ‘Não se esqueça de que você é o melhor amigo dele!”

 

Esse vídeo mexe comigo, porque eu me esqueço sempre de que sou o melhor amigo do meu cãozinho, me irrito com sua insistência para brincar e às vezes o empurro com os pés – inutilmente, sempre! – para afastá-lo de minhas pernas com sua cara de moleque. O vídeo mexe comigo, provoca uma forte sensação de remorso, mas não altera meu comportamento quando devia.

 

É certo que meu ‘melhor amigo’ não é um cãozinho com um bicho de pelúcia maior que ele na boca, mas um filhote de labrador que completa sete meses neste dia de Santo Antônio e já pesa mais de vinte e cinco quilos. Sua insistência para brincar não é um olhar tímido e uma caminhada hesitante, mas uma imposição de força: não pode me ver sentado, usualmente vendo algo no celular, que empurra insistentemente um grande osso sonoro de silicone contra meus joelhos, exigindo que eu entre no ritmo.

 

No começo, era mais fácil: você jogava o osso, ou outro ‘brinquedo’ qualquer, ele corria a buscar, não resistia muito para devolver e lhe dar chance de lançar de novo, e se cansava com facilidade, deixando-o a voltar ao que estava fazendo antes.

 

Mas ele cresceu. Demora muito mais a se cansar. Seus dentes ficaram mais fortes e você não consegue mais arrancar o brinquedo de sua boca com a mesma facilidade. E ele está mais forte, bem mais forte. Resumindo: o que era antes a brincadeira de jogar algo para o cãozinho buscar tornou-se um cabo de guerra, com o cão e o melhor amigo dele puxando, um de cada lado, para ver quem fica com o brinquedo. Desnecessário dizer que está vencendo a maior parte das vezes.

 

Acho que no fundo o filhote não deu sorte com os melhores amigos que escolheu: dois idosos sem muita paciência para brincar e aguentar no colo um mastodonte que cresceu sem se aperceber disso. Ele deve se achar como aquele cãozinho do vídeo, que carrega um bicho de pelúcia maior que ele na boca. Mas daqui a pouco vai ter porte para carregar entre os dentes o melhor amigo dele. Ou seja, eu.

sábado, 27 de maio de 2023

Andando para trás

Em 2009, cientistas descobriram que os movimentos naturais que a gente faz com os braços quando anda não apenas auxiliam no equilíbrio do corpo, como ajudam na economia de energia ao caminhar. Andar com os braços paralisados junto ao tronco requer um gasto metabólico 12% maior; se invertermos a ordem natural de sincronia – movermos o braço esquerdo com a perna esquerda, quando o usual é o braço direito com a perna esquerda – esse gasto sobe a 26%.

 

Portanto, deixar os braços livres sai mais em conta e, como o rotor de cauda de um helicóptero, impede que saiamos rodopiando por aí.

 

Escrevi uma crônica no meu antigo blog ‘Fala, Zanfra’ sobre isso (https://falazanfra.blogspot.com/2009/08/evolucao.html), onde brinco que “sabemos, desde criancinhas, que só os zumbis e as múmias conseguem caminhar sem mover os braços, mesmo assim andando de um modo bastante estranho”.

 

Não sei se algum maluco resolveu gastar mais energia e passou a andar com o braços amarrados numa camisa de força, mas acabo de ser surpreendido com uma nova descoberta dos cientistas: caminhar para trás – não sei se com os braços paralisados, também – traz “surpreendentes benefícios à saúde”, entre eles a melhora na estabilidade e no equilíbrio, o aumento da resistência dos músculos das pernas e a diminuição da carga nas articulações.

 

Resista à tentação de contorcer o corpo e olhar por cima do ombro”, dizem os cientistas. Ou seja, é para andar de costas sem olhar para trás. O que sugere que caminhemos sem possíveis obstáculos em nosso caminho aventureiro. O perigo de tropeçar numa cadeira desaparece, entretanto, se você tiver condições de caminhar numa esteira.

 

Vantagens que os cientistas não anteviram em relação à arte de andar para trás: uma delas é dar um show ao dançar uma música de Michael Jackson chamada ‘Moonwalker’; outra é dramatizar a saída de um ambiente, como Barry Kripke fez num episódio da série ‘The Big Bang Theory’.

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Na verdade

Meu neto Murilo, de cinco anos, começou a dizer ‘na verdade’ no começo de cada observação que faz. Não sabemos como aprendeu, mas deve ser da mesma forma que certas expressões passam a ser repetidas à exaustão por todo mundo, notadamente as pessoas menos dotadas de vocabulário próprio.

 

Não faz muito tempo, todo mundo falava ‘com certeza’ mesmo quando não se tinha certeza de nada. E para todo mundo qualquer atividade não corriqueira que traga sequelas também não corriqueiras é ‘gratificante’. Mesmo quando não é. Certas expressões viram moda e suas repetições se tornam irritantes.

 

Jornalista tem muito disso, embora devesse primar pelo vocabulário. A gente chama esse defeito – que mais parece preguiça de pensar e pesquisar – de uso do lugar comum. É um tal de festa que ‘não tem hora pra acabar’, dinheiro que dá para comprar ‘não sei quantos carros populares’ e área equivalente a ‘não sei quantos campos de futebol’.

 

Se jornalista, que deveria ser um exemplo de originalidade, comete o pecado de não ser original com tanta facilidade, por que as pessoas normais não podem cometer? Ensiná-las a não ser ‘macaquinhos’ com as palavras dos outros não vai ser fácil, porque são muitas as cabeças a orientar.

 

Particularmente, posso tentar desconstruir o eco da expressão na cabeça de meu neto, dizendo que ele deve usá-la somente quando for corrigir uma informação que ele mesmo passou. Pensei até no exemplo para isso: alguém oferece purê de batatas e você diz que não gosta; aí, você corrige – ‘na verdade, até gosto de purê de batatas, mas não quero comer agora!’

 

É ‘com certeza’ um bom exemplo, mas pode não servir de parâmetro para ele: ‘na verdade’, o Murilo não gosta de purê de batatas! 

domingo, 12 de março de 2023

Velhofobia

Uma vez, eu já perto de completar 50 anos, li matéria no Diário Catarinense sobre o atropelamento de um homem a quem o repórter se referiu como “um idoso de 51 anos”. Ou seja, uma situação – de idoso – a que brevemente eu me enquadraria, a depender da concepção do repórter.

 

Já que a condição de idoso se estabelece, legal ou formalmente, a partir dos 60 anos, o repórter deve ter usado um parâmetro pessoal para qualificar etariamente a vítima do atropelamento: ele, o repórter, mal devia ter passado dos vinte anos, e portanto alguém trinta anos mais velho que ele só podia estar decrépito e quase em estado de putrefação.

 

Não o culpo totalmente por isso, porque já avaliei as coisas mais ou menos por aí – com a diferença de que o fiz na infância: foi quando calculei quantos anos teria com a chegada do ano 2000 e concluí que, se não tivesse morrido de velhice, estaria alcançando absurdos quarenta e quatro anos de existência. Resumindo: é tudo uma questão de referência.

 

Deixa de ser mera questão de referência quando alguém, além de classificar uma pessoa com alguns mais anos de vida como idosa, a trata jocosamente como jurássica, fora de seu tempo e fora de seu lugar de existência. Quando isso acontece, o que se verifica é a chamada, e enquadrada legalmente, ‘velhofobia’.

 

Foi o que ocorreu com um grupo de três estudante de biomedicina de uma faculdade de Bauru (SP), que foram tripudiar em cima de uma colega de, vejam só, quarenta anos! "Mano, ela tem quarenta anos já. Era para estar aposentada", disse uma delas. "Gente, quarenta anos não pode mais fazer faculdade. Eu tenho essa opinião", emendou outra. "Ela não sabe o que é Google, acha que é o nome da professora", zombou a terceira.

 

Só faltou dizerem que o arco-íris, no tempo dela, era em preto e branco!

 

O que houve com o conceito de meia idade ou o top ten da sabedoria popular de que a vida começa aos quarenta? Eu, chegando aos sessenta e sete, como seria visto pelas meninas?

 

O que essas estudantes – nível superior, é bom lembrar – têm não é velhofobia, é defasagem cognitiva e comportamental!

 

A antropóloga Míriam Goldenberg, que contou essa história em sua coluna da Folha, sustenta: “Será que elas ainda não perceberam que a jovem de hoje é a velha de amanhã?” Como se isso fosse uma punição, ainda que tardia. Você tripudia sobre os velhos, esquecendo-se de que você também vai ser velho!

 

Discordo, embora possa provocar controvérsias. Não creio que os velhos se sintam punidos por serem velhos. Pelo contrário: acho que envelhecer é a maior das recompensas para quem não morre cedo.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Mães de plantão

O brasileiro precisaria ter, eternamente, uma mãe de plantão. Uma daquelas mães bem chatas, que o obrigariam a levar o casaquinho num domingo ensolarado, porque com certeza vai esfriar depois. Daquelas que o impediriam de fazer as coisas absurdas que geralmente faz quando não tem a mãe por perto – e acaba pagando caro por isso.

 

O brasileiro se julga invencível, indomável, invulnerável, imorrível, imbroxável e incomível, e só a mãe a seu lado para lhe mostrar o contrário. Detalhe: a mãe de plantão deve viver para sempre, ou pelo menos até o dia em que o filho morra, preferencialmente de causas naturais.

 

Exemplo recente da falta que a mãe faz: vocês acham que cem mães permitiriam que cem filhos atravessassem ao mesmo tempo uma ponte pênsil que tem uma placa na entrada, alertando para a capacidade máxima de vinte pessoas por vez?

 

- Ah, mãe, mas todo mundo vai!

 

- Você não é todo mundo!

 

Mas não tinha mãe nenhuma de plantão, as cem pessoas sem mães de plantão atravessaram a ponte pênsil de trinta metros sobre o rio Mampituba, divisa de Santa Catarina com Rio Grande do Sul – repito: ultrapassando em cinco vezes a capacidade declarada da ponte – e a estrutura cedeu. Até o momento em que eu escrevia este texto, havia cinco desaparecidos.

 

Isso me lembra de um outro caso antigo, com falha indesculpável das mães de plantão: um grupo de estudantes da Universidade de São Paulo saiu de uma festa no próprio campus e decidiu ‘esperar o tempo passar’ num prédio inacabado dentro da Cidade Universitária.

 

O grupo não respeitou as restrições de acesso à obra – uma cerca com a tela devidamente cortada por visitantes anteriores e algumas fitas de contenção – e entrou no prédio para, segundo alguns, ver o sol nascer. Ali dentro, uma estudante de Letras de 19 anos saiu em busca de um banheiro pelos corredores escuros, tropeçou num monte de entulhos e despencou no poço do elevador, de uma altura de três andares, morrendo ainda no local.

 

A primeira reclamação de seus colegas foi com relação à falta de um sistema de vigilância que os impedisse de ter entrado naquele lugar potencialmente perigoso. Ou seja: eles invadiram um lugar que todos sabiam proibido, invadiram uma área que todos sabiam precária, por estar em obras, e a culpa pelo incidente é da Universidade – ou do Instituto Butantã, a quem pertence o prédio – por não colocar guardas suficientes em torno da edificação, para impedir a invasão?

 

Uma reação absolutamente normal, eu diria: o brasileiro é como uma criança mimada, que quer fazer o que lhe dá na telha, mas quer que alguém responda pelas consequências de seus atos. Quer enfiar o dedo na tomada e, após o choque elétrico, quer que seus pais sejam interpelados pelo Conselho Tutelar, por incúria. Pois eu acho que as mães de plantão resolveriam.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Apenas um roteiro

Peraí... Se estou numa rodovia de pista simples, sem iluminação, à noite, de moto, e vem um baita caminhão atrás de mim, buzinando feito doido, pedindo passagem – vai que perdeu os freios – o que eu faço?

 

Não penso duas vezes: mando a moto para o acostamento e deixo o bruto passar. Vai, desgraçado, vai se estourar lá na frente, bem longe de mim, que eu não quero ver corpos estraçalhados, e se possível desabe numa ribanceira e não obstrua o tráfego. Nem vou querer saber se o Código de Trânsito vai me dar razão se eu quiser continuar na frente dele.

 

E o que o Benjamin fez? Ele, que é advogado e deve conhecer todas as leis, menos a da sobrevivência, ficou na frente do potente, confiando que o CTB o protegeria – como aqueles motoristas que ocupam a faixa da esquerda e não deixam ninguém ultrapassar, porque eles próprios estão respeitando o limite legal de velocidade.

 

E o que aconteceu? Benjamin não saiu, como eu sairia, o caminhão não quis esperar, invadiu a contramão para a ultrapassagem, voltou rápido demais, perdeu o eixo longitudinal, e a carretona, carregada de contrabando, tombou no meio da pista, servindo de parede para arregaçar a Fiat Dobló que o pobre e legalzinho do Carlão conduzia.

 

Pra que tudo isso? Custava o Benjamin ir para o acostamento? Ou será que ele estava prevendo tudo isso para, com a morte do Carlão, consolar a viúva, Sol, que ele já havia consolado muito tempo antes?

 

Deixo as perguntas para o amigo Mário Viana, jornalista, escritor, roteirista, que faz parte da equipe de Rosane Svartman na redação da novela ‘Vai na Fé’, da Globo. Se há alguém que sabe desses meandros é o Mário, porque o roteiro passa por suas mãos. E, já que ele está com a espátula e o requeijão na mão, por que não bota na estrada, na frente de um caminhão carregado com suas muambas, o mau caráter do Theo? Fica a sugestão. 

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Golpes & golpes

De tanto que se fala em golpismo na política, a gente acaba ficando mais esperto para outros tipos de golpes, especialmente os financeiros. E a gente tem de ficar mais esperto porque os golpistas estão cada vez mais sofisticados: quem vai desconfiar de uma ligação em que na tela do celular aparece o nome do seu banco?

 

Pois bem. Hoje, pouco depois do meio-dia, recebi a dita ligação, em que, além do nome, aparecia o telefone do Banco do Brasil. Disseram ter detectado uma tentativa de transferência de dinheiro da minha conta, que teria sido temporariamente suspensa, perguntaram se eu conhecia o beneficiário, me passaram um número de protocolo e transferiram para outro atendente, que iria me explicar os procedimentos a serem tomados para cancelar definitivamente a operação.

 

(Parênteses: outro dia, tinham me ligado dizendo que era da Magalu e que tinha gente fazendo compras com um cartão de débito associado ao meu CPF; achei muito semelhante a forma de abordagem, as palavras usadas e até os erros de português equivalentes; comecei a desconfiar a partir daí).

 

Depois de um provável atendimento eletrônico (muito bem emulado, por sinal), o segundo atendente me identificou ‘aparentemente’ pelo número do protocolo, confirmou que eu não queria fazer a transferência, pediu que eu colocasse o celular em viva-voz e acessasse o aplicativo do banco: se estivesse aberto, seria porque alguém o haveria acessado e pedido a transferência; se estivesse fechado, seria porque o app teria sido infectado por um vírus. Resumindo: de qualquer maneira, eu estaria lascado!

 

Como o aplicativo estava fechado – e consequentemente, na versão dele, tinha sido infectado – o solícito atendente me passaria um ‘módulo de segurança’, que, se instalado, faria varredura no app e o livraria dos arquivos indesejados. Simples, né?

 

Só que ele não contava com minha astúcia: nem se minha falecida mãezinha mandasse uma mensagem com sua letra redondinha eu instalaria um ‘módulo de segurança’ que um desconhecido me passasse pelo telefone. Assim como não clico em links estranhos, não tento recuperar as milhas que o Bradesco me deve, ou procuro desbloquear minha conta do Itaú que tem pendências. Mesmo porque não tenho nada a ver com esses bancos, por que teria pendências com eles? Mas tem gente que cai nesses golpes, caso contrário eles já teriam desaparecido.

 

E então fica o alerta. O gerente do Banco do Brasil disse que os golpistas conseguem emular o banco numa chamada telefônica, e isso acaba enganando as pessoas de boa fé. Quantos e quantos já não devem ter um ‘módulo de segurança’ instalado em seu aplicativo?

Bichinho de pelúcia

Tem um vídeo no Instagram que mostra um pequeno cão carregando na boca um bicho de pelúcia maior que ele e se aproximando timidamente como q...