Cria de uma das editorias das mais férteis em temos do uso de jargões – a reportagem policial – resisti bravamente ao emprego de expressões típicas, lugares-comuns e gírias exclusivas das matérias criminais. Não que fosse contra elas. É que os tempos estavam mudando quando entrei na área, a editoria de polícia estava sendo aos poucos ‘purificada’, e eu tinha de me adaptar à nova realidade. A tônica dessa nova realidade era dar fim aos jargões.
Comecei na reportagem
policial em outubro de 1977, quando alguns dos velhos repórteres ainda estavam
na ativa – e, embora fossem cruciais para orientar a nova geração, traziam
entranhadas em sua linguagem as expressões condenadas à filtragem. Naquele
tempo, um presunto recheado de azeitonas não era uma iguaria de fino
paladar a ser levada à mesa, mas o jargão típico para designar uma pessoa morta
a tiros. Preferencialmente com muitos tiros.
Da mesma forma, um
hospital não era um hospital, mas um nosocômio, os bombeiros eram os soldados
do fogo, os advogados eram causídicos, o cemitério era a necrópole,
os criminosos eram meliantes ou larápios, a maconha era a erva
maldita e, se alguma vítima de crime estivesse caída de costas, para o
repórter policial da época ela não estava simplesmente caída de costas, mas em decúbito
dorsal.
Os tempos mudaram, a
linguagem mudou – embora a duras penas – e hoje, mais de quarenta anos depois,
são muito poucos os jargões policiais que sobrevivem no jornalismo. Um deles é
o termo viatura para identificar o veículo policial. Os outros a gente
ouve diariamente na TV, e parece, pela insistência e persistência dos
repórteres, que não há outra forma de as coisas serem ditas: se um policial não
der voz de prisão, provavelmente o bandido vai fugir; se o ladrão não anunciar
o assalto, as pessoas certamente vão pensar que ele está tentando fazer
outra coisa que não assaltá-las.
A TV, aliás, é a maior
fonte de jargões do jornalismo moderno (?), e por isso mesmo, por seu alcance,
um foco irradiador muito mais potente do que a imprensa escrita. Na verdade, o
que a gente ouve na TV não são propriamente jargões, mas expressões de uso
comum – à exaustão – que indicam, mais do que a limitação de termos, a pobreza
de ideias.
Entra ano, sai ano, a
temperatura não estará tão baixa se o repórter não falar em tirar o casaco
do armário, a festa não será boa se não estiver pra lá de animada ou
se não tem hora pra acabar e nenhuma pessoa das classes menos
favorecidas estará apresentável se não vestir a roupa de domingo...
Além disso, o repórter
sempre vai definir as dimensões de uma área comparando-a a campos de futebol
(como se todo mundo conhecesse as dimensões de um campo de futebol) e mostrar
comparativamente a quantidade de dinheiro envolvida numa transação calculando quantos
carros populares dá para comprar com ela.
E isso quarenta anos
depois de os jargões terem sido condenados à morte!
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